24/08/2006
EUA em recessão? Eles espirram, o Brasil gripa
Por Bernardo Joffily
Um fantasma ronda os Estados Unidos: o fantasma do Housing Slump -- colapso imobiliário. O último dado é que a venda de imóveis no país caiu 4,1% em julho. Devido aos perigos nessa área superaquecida por uma "bolha", prevê-se para o fim do ano uma recessão na maior economia do planeta, arrastando o planeta junto. Como de hábito, o temor de lá abala primeiro economias como a brasileira: cai a bolsa, sobem o dólar e o "risco-Brasil", e o corte nos juros pode parar.Roubini prevê "tsunami recessivo"
O dado desta quarta-feira (24) veio da Associação Nacional de Corretores de Imóveis dos EUA. Informa que foram vendidas no mês passado 6,33 milhões de residências usadas no país, uma queda de 4,1% sobre junho. As vendas de imóveis novos caíram 4,3% em julho. Nos dois casos a queda foi pior do que previam os economistas, que apostavam em um número negativo na casa dos 2,7%.
A pirâmide, fictícia, se inverteu
O setor imobiliário funcionou até agora como o motor da economia estadunidenses. Há vários anos os americanos se acostumaram a ver suas residências se valorizarem a cada ano, e a tirar partido disso através de empréstimos sobre hipotecas imobiliárias. O mecanismo ajudou a sustentar o consumo e portanto a estimular a produção.
Mas agora este mesmo setor aparece como o ponto débil que pode precipitar toda a economia na recessão. A pirâmide da valorização, fictícia, tende a se inverter. O FMI (Fundo Monetário Internacional) estimou no seu relatório de primavera que o setor imobiliário representa "a incerteza chave" para os EUA. Caso ele desande, isso "poderia ter conseqüências importantes para um certo número de setores", advertiu na terça-feira o presidente do Fed de Chicago, Michael Moskow (o Fed, apelido do banco central estadunidense, funciona com 12 distritos, um deles em Chicago). Ele previu mesmo que a taxa básica de juros no país pode retomar a sua escalada, interrompida no último dia 8.
Pouso suave ou pouso brusco?
Esssas advertências aparecem num cenário em que dez em cada dez analistas apostam numa desaceleração da economia americana. A discussão é se esta vai ser um "soft landing" ("pouso suave") ou um "hard landing" ("pouso brusco"). A última hipótese ganhou força nos últimos dias. O economista estadunidense Nouriel Roubini acentua os tons sombrios do futuro, num texto que traz o título "Quatro lorotas dos investidores... e cinco feias verdades sobre a próxima e severa recessão nos EUA". Roubini começa dizendo que reviu sua previsão de junho passado, de que a economia do país tinha 50% de chances de entrar em recessão até o fim do ano. Agora ele acha que são 70%. E chega a falar em "tsunami recessivo".
"Quatro lorotas" e "cinco feias verdades"
Em tom didático, ele enumera as "quatro lorotas": 1) que a economia dos EUA vai efetuar um pouso suave; 2) que, caso a desaceleração seja excessiva, o Fed acorrerá com um forte corte nas taxas de juros; 3) que mesmo se os EUA desacelerarem, o mundo vai se "descolar" deles e manter o crescimento, graças à Ásia, Europa, países emergentes e América Latina; e 4) que o equilíbrio do balanço de pagamentos americano está ordeiramente a caminho.
Seguem-se, no mesmo estilo sincopado, as "cinco feias verdades": 1) a possibilidade de recessão nos EUA subiu para 70%, devido ao Housing Slump (que encabeça a lista), mais a alta do petróleo, mais a inflação; 2) uma estabilidade ou mesmo uma queda nos juros não prevenirá a severa recessão vindoura; 3) uma queda de juros tampouco socorrerá as bolsas de valores, que devem ter um fim de ano ruim; 4) o mundo não se descolará da desaceleração e da recessão americanas, pois "quando os EUA espirram o mundo fica gripado"; e 5) o risco de uma recomposição desordenada do balanço de pagamentos global está em alta e não se pode excluir um surto de risco fananceiro sistêmico.
Repercussões no Brasil
A conhecida frase sobre o espirro americano é associada com frequência a países como o Brasil. Depois da má notícia sobre o mercado imobiliários dos EUA, o índice Dow Jones da Bolsa de Nova York cedeu 0,37%, na quarta e recuperou 0,06% na quinta-feira. Já na Bolsa de São Paulo o Ibovespa caiu 3,18% na quarta e recuperou 0,80% na quinta. O dólar subiu 0,09% em relação ao real, e repetiu a alta no dia seguinte. O "risco Brasil" medido em Nova York pelo banco JP Morgan Chase subiu 4 pontos num dia e 3 no outro, para 227.
Não são, por enquanto, sintomas de uma gripe mortífera, tipo gripe do frango, em parte porque a vulnerabilidade externa do país se reduziu ultimamente. As reservas de divisas do país atingiram o nível recorde de US$ 70,8 bilhões medido nesta terça-feira, e superam pela primeira vez o total da dívida externa da união. Mas foi o que bastou para "o Mercado" falar em redução dos cortes ou mesmo em congelamento da taxa de juros Selic pelo Banco Central (BC) brasileiro.
Baixa do nosso juro periga
"O cenário externo está cada vez mais desafiador. Cada vez fica mais claro o cenário de hard landing nos EUA e, até mesmo, de uma recessão. Nesse contexto, a história nos mostra que períodos de menor crescimento global coincidem com maior aversão a riscos, tendo como conseqüência o movimento de flight to quality ["voar para a qualidade], drenando recursos de mercados emergentes.", diz Marcelo Ribeiro, da Pentágono Asset Management, uma das consultoras que interpretam o pensamento "do Mercado".
"Continuar reduzindo a Selic nesse cenário me parece impraticável. Se não estivéssemos nas vésperas da eleição presidencial, o BC encerraria o processo. Porém, o Copom deve reduzir a Selic em 0.25 ponto na próxima reunião (que acontece na semana que vem)", prevê o economista. Isto já seria uma diminuição no ritmo de queda do juro básico, pois o Copom do BC fixou cortes de 0,50 ponto nas suas duas últimas reuniões, em maio e julho (elas agora ocorrem a internavlos de 45 dias).
"O Mercado" não vê a contradição entre essa previsão e o que dizem os manuais de economia, unânimes em indicar que uma atmosfera recessiva aconselha cortes nos juros. Caso a locomotiva americana realmente rateie, ou pife, acredita-se que a tendência dos investidores será buscar portos seguros, ou seja, longe do Terceiro Mundo.
Com agências
Fonte:
Diário Vermelho