Sunday, February 24, 2008

Bancarrota em 2008?
Fevereiro 2008

Ignacio Ramonet
Le Monde diplomatique


Conseguirá o anúncio feito pela Reserva Federal americana de uma importante redução das suas taxas de juro evitar uma recessão nos Estados Unidos e afastar o espectro duma bancarrota mundial? Muitos peritos crêem que sim, receando quando muito uma redução do ritmo do crescimento.

Mas outros analistas, embora adeptos do capitalismo, mostram-se muito inquietos. Em França, por exemplo, Jacques Attali profetiza que «em breve […] a Bolsa de Nova Iorque, caução da pirâmide dos empréstimos, irá desmoronar-se». Michel Rocard acrescenta mesmo: «A minha convicção é que isto irá em breve explodir» [1].

Convém dizer que os sinais de desconfiança se estão a multiplicar. Mostra-o a actual “corrida para o ouro”, voltando o metal amarelo – cujas cotações, em 2007, aumentaram 32 por cento! – a desempenhar o seu papel de valor refúgio. Todos os grandes organismos económicos, entre os quais o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), prevêem uma diminuição do crescimento mundial.

Quase tudo começou em 2001 com o rebentamento da bolha Internet. Para proteger os investidores, Alan Greenspan, nessa altura presidente da Reserva Federal americana, decidiu orientar os investimentos para o sector imobiliário [2]. Através de uma política de taxas muito baixas e de redução das despesas financeiras, levou os intermediários financeiros e imobiliários a incitar uma clientela cada vez maior a investir em imóveis. Foi assim estabelecido o sistema dos subprime, empréstimos hipotecários de risco e de taxa variável concedidos às famílias mais frágeis [3]. Mas quando a Reserva Federal, em 2005, aumentou a taxa de juro de referência (aquelas, precisamente, que acabara de reduzir), com isso desregulou a máquina e desencadeou um efeito dominó, fazendo vacilar o sistema bancário internacional a partir de Agosto de 2007.

A ameaça de insolvência de quase três milhões de famílias, endividadas em cerca de 200 mil milhões de euros, levou à falência importantes instituições de crédito. Para se precaverem contra esse risco, estas tinham vendido uma parte dos seus créditos duvidosos a outros bancos, os quais os cederam a fundos de investimento especulativos, que, por sua vez, os disseminaram em bancos do mundo inteiro. Resultado: qual epidemia fulminante, a crise atingiu o sistema bancário como um todo.

Importantes instituições financeiras – Citigroup e Merrill Lynch, nos Estados Unidos, Northern Rock, no Reino Unido, Swiss Re e UBS, na Suíça, Société Générale, em França, etc. – acabaram por admitir que tiveram perdas colossais. Algumas dessas instituições, para limitar o desastre, tiveram de aceitar capitais provenientes de fundos soberanos controlados por potências do Sul e das petromonarquias.

Ainda ninguém sabe qual é a dimensão exacta dos danos. Desde Agosto de 2007, os bancos centrais norte­‑americano, europeu, britânico, suíço e japonês injectaram na economia centenas de milhares de milhões de euros sem conseguirem restaurar a confiança.

Da economia financeira, a crise propagou-se para a economia real. E uma conjunção de factores – redução acelerada dos preços do imobiliário nos Estados Unidos (mas também no Reino Unido, na Irlanda e em Espanha), esvaziamento da bolha de liquidez, queda do dólar, restrição do crédito – fazem de facto temer um nítido recuo do crescimento mundial. A isso vêm ainda juntar-se outros fenómenos, tais como o aumento dos preços do petróleo, das matérias-primas e dos produtos alimentares. Ou seja, os ingredientes de uma crise que está para durar [4]. A mais importante desde que a globalização passou a constituir o quadro estrutural da economia mundial.

A saída desta crise reside agora na capacidade que as economias asiáticas tenham para revezar o motor norte­‑americano. Nesse caso, isso será uma nova manifestação do declínio do Ocidente, pressagiando a próxima deslocação do centro da economia-mundo dos Estados Unidos para a China. E se assim for, a presente crise irá assinalar o fim de um modelo”.
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[1] Respectivamente, L’Express, Paris, 13 de Dezembro de 2007, e Le Nouvel Observateur, Paris, 13 de Dezembro de 2007.

[2] Cf. “Crises financières à répétition: quelles explications? quelles réponses?”, Fondation Res Publica, Paris, 2008.

[3] Cf. André-Jean Locussol-Mascardi, Krach 2007. La vague scélérate des “subprimes”, Le Manuscrit, Paris, 2007.

[4] Frédéric Lordon, O mundo refém do poder financeiro, Le Monde diplomatique, Setembro de 2007.

Fonte: Informação Alternativa

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Thursday, February 14, 2008

Opep cogita mudar preço do petróleo de dólar para euro
9/02/2008

O secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), Abdalla Salem el-Badri, reiterou que a organização poderá fixar o preço do petróleo em euro, em vez de dólar, em algum momento, em meio à contínua desvalorização da moeda norte-americana. "Talvez possamos precificar o petróleo em euro", disse el-Badri à revista Middle East Economic Digest, com sede em Londres, segundo entrevista divulgada no site da publicação. "Pode ser feito, mas levará tempo".

Seus comentários reafirmam a preocupação de membros da Opep em relação à fixação do preço do petróleo em dólar, que perdeu cerca de 10% de seu valor em relação ao euro no último ano, embora dirigentes do cartel tenham ressaltado que qualquer mudança seria gradual.

"Levou duas guerras mundiais e mais de 50 anos para que o dólar se tornasse a moeda dominante", acrescentou. "Agora estamos vendo outra moeda forte entrando (em cena), que é o euro."

Alguns membros da Opep, sobretudo o Irã e a Venezuela, manifestaram publicamente seu interesse em não mais precificar o petróleo em dólares e talvez mudar para uma cesta de moedas. A adoção de cesta seria uma forma de os países da Opep protegerem o valor de suas exportações de petróleo do declínio do dólar em relação a outras moedas fortes. As informações são da agência Dow Jones.

Fonte: Diário Vermelho

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Tuesday, February 12, 2008

O espectro de 1929 ronda os Estados Unidos
11/02/2008

A crise atual do capitalismo mundial é evidenciada, entre outras coisas, pelo “estouro” do sistema de créditos imobiliários nos Estados Unidos e pelo prejuízo de 10 bilhões de dólares registrado pelo Citibank, o maior desde 1945. Não se trata de uma crise qualquer, nem de “mais uma” entre tantas outras: de fato, ameaça transformar-se em uma quebra de grandes proporções. O espectro de 1929 assusta o mercado financeiro e expõe a olhos nus o frágil edifício sobre o qual se construiu a chamada “globalização”.

Por José Arbex Jr.*

Nos Estados Unidos, centro do capitalismo mundial, centenas de milhares de famílias endividadas não têm mais de onde extrair recursos para pagar suas dívidas, especialmente numa situação em que mesmos os economistas mais “otimistas” admitem a chegada da recessão. Várias cidades do meio-oeste estadunidense apresentam hoje um cenário desolador, semelhante ao de Detroit, a antiga orgulhosa capital do automóvel, com prédios e casas abandonadas. Sãos os primeiros sinais visíveis da falência de um sistema que, ao longo dos anos 90 e início do novo século, transformou a economia em cassinos abertos ao capital especulativo.

Como resume o historiador e economista Robert Brenner, colaborador da New Left Review: “Os anos desde o início do atual ciclo econômico, iniciado no começo de 2001, foram os piores entre todos. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos foi o mais lento para qualquer intervalo comparativo, desde o fim dos anos 40, ao passo que a instalação de novas fábricas e equipamentos e a criação de empregos mantiveram-se, respectivamente, em níveis 1/3 e 2/3 inferiores à média geral do período pós-guerra. Os salários reais para os trabalhadores empregados diretamente na produção, cerca de 80% da força de trabalho, foram praticamente achatados, mantendo-se no nível de 1979.”

Panela de pressão

O quadro geral não é muito diferente na Europa e no Japão. As manifestações dos jovens pobres que vivem nos subúrbios de Paris e de outras cidades francesas foram, corretamente, interpretadas como o “apito da panela de pressão” que ameaça estourar na Itália, na Alemanha, em Portugal e Espanha. Não é o caso, aqui, de explicar em detalhes os mecanismos da crise, mas sim de assinalar que o domínio do capital financeiro e especulativo sobre a economia real assegurado pelo neoliberalismo – isto é, o domínio do jogo de pôquer travado nas Bolsas de Valores e sistemas financeiros mundiais sobre a indústria e a produção de bens materiais – trouxe o mundo à beira do abismo.

A China, cujo maior parceiro comercial são os Estados Unidos, também sente a ameaça representada pelos efeitos da recessão, podendo multiplicar o estrago em escala planetária. A demanda de matéria-prima, equipamentos e máquinas suscitada pelo extraordinário crescimento da economia chinesa na última década foi um dos motores da economia mundial, além de assegurar emprego na própria China (ainda que, em regiões altamente industrializadas, os salários praticados são vergonhosos, mesmo para padrões brasileiros). O desaceleramento eventual da economia chinesa vai produzir um efeito cascata em todos os países cujos produtos os chineses importam, incluindo, é óbvio, o Brasil.

Quais serão, aliás, os efeitos da crise para o Brasil? Serão certamente nefastos, já que o país orientou o seu crescimento segundo um modelo agroexportador, totalmente dependente das flutuações do mercado internacional. Além disso, a brutal concentração de renda concentrou o controle da economia nas mãos de um pequeno punhado de empresas, a maioria das quais associadas ao capital transnacional ou diretamente controlada por grupos transnacionais. Com um mercado interno frágil (se houve aumento de trabalhadores com carteira assinada no governo Lula, a renda média caiu, isto é, houve o crescimento do trabalho desqualificado), a economia nacional é totalmente vulnerável às oscilações do capitalismo mundial.

E quando o Brasil começará a sentir os efeitos da crise? Já começou, com o congelamento da queda das taxas de juros, assumido pelo Banco Central como “medida de cautela”. Isto é, o Brasil se dispõe a continuar remunerando o capital com as mais altas taxas de rendimento do mundo, por temer que a crise “seque” a fonte de dólares despejadas no país.

Colchão de dólares

As reservas brasileiras somam, hoje, algo em torno de 200 bilhões de dólares. Segundo o governo Lula, isso representa um “colchão” confortável para aliviar os efeitos da crise. Mas se ela realmente se agravar como temem os economistas, incluindo alguns dos mais ardorosos defensores do neoliberalismo, como a revista Economist (que considera a “bolha especulativa” criada entre 2001 e 2005 como a maior, em todos os tempos), então as reservas brasileiras não serão de muita valia, pois todo o modelo econômico será colocado em questão.

A tragédia, enfim, bate às portas do mercado mundial. Exagero? De jeito nenhum. Não por acaso, “mudança” é a palavra de ordem de Barack Obama, o pré-candidato “azarão” do atual processo de escolha dos candidatos à presidência dos Estados Unidos. Com essa simples mensagem, Obama conseguiu reunir as condições para deixar de ser um pré-candidato “exótico” e ver o seu nome seriamente levado a sério. Jovens, intelectuais, dirigentes sindicais e gente simples na rua apóiam Obama, por sentir a necessidade de “mudança”. Todos sabem que, do jeito que está, não dá mais para continuar.

Não importa, aqui, discutir quais são as reais intenções de Obama, nem a qualidade das mudanças que um pré-candidato do Partido Democrata pode, de fato, realizar. O que importa é notar a total rejeição da opinião pública ao emblema máximo do mundo neoliberal: o presidente George Bush. Seu governo foi uma rara combinação de especulação financeira, corrupção e aventura militar, tudo ancorado no autoritarismo e repressão policial, para desembocar, agora, na crise. Se ela servir, ao menos, para colocar uma pá de cal no neoliberalismo, poderá então abrir novos caminhos para a luta de classes, nos Estados Unidos e no mundo.

* jornalista, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP) e doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP

Fonte: Brasil de Fato/Diário Vermelho

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Friday, February 08, 2008

Diga-o com flores
03/11/2007

Uri Avnery
Gush Shalom


Alegrem-se, alegrem-se: a ministra dos Negócios Estrangeiros decidiu nomear uma comissão especial para tratar das “questões nucleares” da paz com os palestinianos.

Sim, de facto. Em preparação para o encontro de Annapolis, o primeiro­‑ministro colocou a ministra dos Negócios Estrangeiros à frente das negociações com a Autoridade Palestina.

Pode-se perguntar: não é natural que o ministério dos Negócios Estrangeiros trate da política internacional?

Bem, pode ser natural em outros países. Em Israel, não é natural de todo.

Já nos primeiros anos do estado, o ministério dos Negócios Estrangeiros era alvo de chacota. Um amigo meu compôs uns versinhos que podem ser mais ou menos traduzidos por «O ministério dos Negócios Estrangeiros / é muito importante / Porque sem ele / o que fariam os seus funcionários?»

O estado nasceu em guerra. Os seus heróis eram os comandantes militares. O arquitecto do Estado, David Bem­‑Gurion, colocou os trilhos sobre os quais o estado se tem movido até hoje. Até ao seu último dia de trabalho, foi simultaneamente primeiro­‑ministro e ministro da Defesa. Nunca se deu ao trabalho de esconder o seu profundo desprezo pelo ministério dos Negócios Estrangeiros.

Toda aquela geração partilhava desse desprezo. Homens de verdade, com o sotaque de Sabra, entravam no exército, tornavam­‑se generais e assumiam o ministério da Defesa. Os fracotes, com sotaque alemão ou anglo­‑saxão, entravam no ministério dos Negócios Estrangeiros, tornavam­‑se embaixadores e burocratas. A diferença era visível para todos.

Isso também encontrava expressão nas relações pessoais: Ben-Gurion torturou o primeiro ministro dos Negócios Estrangeiros, Moshe Sharett, o qual via como um rival potencial. E de facto, quando Ben-Gurion decidiu, em 1953, recolher-se temporariamente na colonato de Sdeh Boker, no deserto, Sharett tornou­‑se primeiro­‑ministro. Pagou caro por isso: quando Ben-Gurion voltou do seu auto­‑exílio, atropelou Sharett e, ao preparar a campanha do Sinai de 1956, afastou-o pura e simplesmente.

Entregou os Negócios Estrangeiros a Golda Meir, mas também lhe passou por cima. A campanha Sinai­‑Suez foi preparada pelo jovem Shimon Peres, director­‑geral do ministério da Defesa e servil admirador de Bem­‑Gurion. Ajudou a organizar a coligação franco-britânico-israelense para o ataque ao Egipto. Em troca da nossa prontidão em apoiar os franceses na sua guerra contra os insurgentes argelinos, os franceses deram­‑nos o reactor nuclear de Dimona. Tudo isto nas costas do ministério dos Negócios Estrangeiros.

Ao longo dos anos, foi assim que se passou. As questões importantes das relações externas eram tratadas pelo gabinete do primeiro­‑ministro e pelo ministério da Defesa, com a assistência da Mossad. Os nossos embaixadores por todo o mundo tomavam conhecimento delas pelas notícias.

Talvez isto não seja uma peculiaridade israelita de fazer as coisas. Actualmente, os presidentes e os primeiros­‑ministros conduzem a sua própria política externa. Voos rápidos, telefone internacional e o correio electrónico permitem­‑lhes comunicar-se entre si. Em quase todos os países, os ministros dos Negócios Estrangeiros vão­‑se rapidamente convertendo em empregados (ou empregadas) de escritório.

No nosso país, isto é especialmente visível, dado o papel central que o exército desempenha na nossa vida nacional. No jogo de cartas israelense, um general vale mais que dez embaixadores. As avaliações da Inteligência Militar e os relatórios da Mossad sobrepõem­‑se a todos os documentos dos Negócios Estrangeiros – se alguém os lê sequer.

Não consegui evitar sorrir quando li sobre a decisão de Tzipi Livni de formar uma equipa da paz.

Há 51 anos, uma semana antes da campanha do Sinai, publiquei um artigo intitulado “O Estado­‑maior branco” que se tornou algo como a minha bandeira. Dizia que, dado que o alcance da paz era a principal missão do nosso estado, era inaceitável que não houvesse um corpo profissional encarregado exclusivamente dessa matéria. Propus a criação de um Ministério da Paz especial. O ministério dos Negócios Estrangeiros, sustinha eu, não era adequado para essa tarefa, dado que a sua principal função era empreender a luta internacional contra o mundo árabe.

Para popularizar a ideia, afirmei que, como contraponto do “Estado­‑maior caqui”, que prepara operações de guerra, precisávamos de um “Estado­‑maior branco”, que se prepararia para as oportunidades de paz. Tal como o Estado-maior do exército prepara planos de contingência para situações militares, a equipa do Estado­‑maior branco deveria preparar planos para operações de paz. Essa equipa deveria ser composta por especialistas em assuntos árabes, diplomatas, psicólogos, economistas, especialistas em inteligência e assim por diante.

Dez anos mais tarde, repeti esta proposta num discurso no Parlamento, posteriormente incluído numa antologia israelense de discursos importantes. Repeti a observação de que, em todo o imenso aparato governamental, com as suas dezenas de milhares de empregados, não havia sequer uma dúzia de funcionários encarregados de trabalhar pela paz.

Isto foi precedido de um episódio bastante divertido. Eric Rouleau, um dos mais conhecidos jornalistas franceses em assuntos do Médio Oriente, organizou um encontro secreto entre mim e o embaixador tunisino em Paris. Isso foi depois de Habib Bourguiba, o lendário presidente da Tunísia, ter feito um discurso histórico em Jericó, no qual, pela primeira vez, exortara o mundo árabe a fazer a paz com Israel. Pedi ao embaixador para encorajar o seu presidente a prosseguir com essa iniciativa. O embaixador propôs um acordo: Israel usaria a sua influência em Paris para instar os franceses a melhorarem as suas relações com a Tunísia (que estavam num ponto baixo) e em troca Bourguiba renovaria a sua iniciativa.

Corri para casa e marquei um encontro urgente com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Abba Eban. Trouxe com ele Mordechai Gazit, chefe da divisão do Médio Oriente. Eban ouviu o que eu tinha a dizer e respondeu com poucas palavras sem se comprometer. Quando ele saiu, Gazit explodiu numa gargalhada.

«Você nem imagina como isto aqui funciona», disse ele. «Se Eban tivesse levado a sério o que você disse, e tivesse ordenado ao seu gabinete para preparar um relatório sobre as relações entre a França e a Tunísia, não conseguiriam encontrar ninguém para fazer o trabalho. Em todo o ministério dos Negócios Estrangeiros há talvez meia dúzia de pessoas que tratam de assuntos árabes».

Então, fiz aquele discurso, e depois falei sobre ele com o primeiro­‑ministro Levi Eshkol; e mais tarde com o primeiro­‑inistro Yitzhak Rabin – mas nada saiu dali. Por isso me permito ser um pouco céptico sobre a iniciativa de Livni.

Ultimamente, o antigo Secretário de Estado, Henry Kissinger, publicou um livro sobre a diplomacia como profissão. Ele afirma que os grandes ministros dos Negócios Estrangeiros tiveram um impacto muito mais amplo na história do que os reis e os comandantes militares.

Não sou um dos grandes admiradores deste homem, que tem a minha idade e que, como eu, nasceu na Alemanha. Às vezes interrogo­‑me sobre o que teria acontecido se o pai dele tivesse emigrado para a Palestina e o meu pai para os EUA. Ter­‑me­‑ia eu tornado num ego­‑maníaco e num criminoso de guerra, e ele num activista da paz israelense?

Mas estou bastante preparado para aceitar a tese central do livro: que nenhuma política externa séria é possível sem um claro e consistente objectivo de longo prazo.

A ministra dos Negócios Estrangeiros israelita não tem tal objectivo. Ela discursa, declara e anuncia, mas não é claro para onde ela estaria a conduzir a nossa política externa, se lhe fosse permitido conduzi­‑la. Após dois anos no cargo, a sua imagem política é pálida e embaciada.

Uma vez tenta ultrapassar Olmert pela esquerda, outra vez pela direita. Um dia fala sobre a necessidade de lidar com as “questões nucleares”, outro dia diz que o tempo não está maduro para um acordo definitivo. Ela apoiou a recente guerra do Líbano, mas agora critica-a severamente. Depois da publicação do relatório intermédio da comissão Winograd, exigiu a demissão de Olmert, tencionando substituí-lo ela mesma, mas quando essa pequena tentativa de putsch fracassou, ela permaneceu no seu governo e continua a partilhar a responsabilidade pelas suas acções e omissões.

Livni detesta Olmert, e Olmert detesta Livni. É verdade, ambos vêm “da mesma aldeia” – o pai de Ehud e o pai de Tzipi foram ambos membros graduados do Irgun. Ambos foram criados na mesma atmosfera política de direita, ambos beberam da mesma fonte. Quando a mãe de Livni faleceu há algumas semanas, ficaram ao lado um do outro no funeral e cantaram o hino da Betar: «O silêncio nada vale / Sacrifica sangue e alma / Pela glória oculta…» (A Betar, que ainda existe, era o movimento juvenil de direita que deu nascimento ao Irgun.)

O asco mútuo entre Ben-Gurion e Sharett, e entre Rabin e Peres repete-se hoje. Essas relações têm uma influência poderosa na política, de acordo com o famoso dito de Kissinger: «Israel não tem política externa, só tem política doméstica». (Parece­‑me que isto é verdadeiro para muitos países democráticos, incluindo os EUA.) A política externa de Israel emana de considerações domésticas: Olmert está determinado a sobreviver a qualquer custo. Dado que o seu governo inclui elementos de extrema­‑direita, e até fascistas, qualquer movimento real no sentido da paz conduziria à sua dissolução.

Se um governo não tem um objectivo de longo prazo, como conduz a política? Kissinger não parece dar uma resposta a isto. Eu tenho uma: onde não há objectivo consciente, um inconsciente assume o controle, um objectivo preexistente que fornece um sentido como que por si próprio, por força da inércia.

O código genético do movimento sionista leva­‑o a lutar contra o povo palestiniano pela posse de toda a Palestina histórica e pela expansão da colónia judaica do mar ao rio. Enquanto não for suplantado por uma decisão nacional de adoptar outro objectivo – uma decisão clara, aberta e de longo prazo – continuará a seguir o seu curso.

Nenhuma decisão desse tipo amadureceu e foi adoptada. Os ministros falam sobre outras possibilidades, tartamudeiam sobre a “Solução dos dois Estados", fazem circular diversas palavras de ordem, fazem declarações e emitem decisões, mas na verdade, no terreno, a velha política continua inabalada, como se nada tivesse acontecido.
Se outra decisão tivesse sido adoptada, a mudança teria sido de longo alcance – da “linguagem corporal” do governo ao tom da sua voz. No momento, os acordes que fazem a música são ainda os do hino da Betar.

Há alguma evidência da intenção de Olmert de não dar qualquer passo sério no sentido da paz? De facto, há. É a sua decisão de encarregar Tzipi Livni dos contactos com os palestinianos.
Se Olmert quer alcançar um avanço histórico, assegurar­‑se­‑á de que ele mesmo obterá o crédito total pelo feito. Se o entregar à sua rival, isso significa que não tem qualquer hipótese.

Na semana passada, o governo holandês abordou o ministério dos Negócios Estrangeiros israelita com um pedido para permitir aos cultivadores de flores palestinianos da Faixa de Gaza exportar a sua mercadoria para a terra das tulipas.
Tzipi Livni, vice-primeira­‑ministra e ministra dos Negócios Estrangeiros, não foi capaz de atender a esse pedido modesto. O exército proibiu­‑o.
Ao contrário da bem conhecida expressão, eles não acreditam em dizê­‑lo com flores.

Fonte: Informação Alternativa
Comunidade Portuguesa de Ambientalistas
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