Produção de energia no Brasil e as prioridades de Bush
Guilherme C. Delgado*
Download disponível do audio (5.12 min/1,2 Mb)
Muito mais rápido do que se poderia imaginar, o governo Bush reagiu às conclusões do IV Relatório Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – que afirmou de maneira enfática a responsabilidade humana sobre a geração do efeito estufa e de suas catastróficas conseqüências. Os Estados Unidos, como grande vilão dessa situação – omissos na aceitação do tratado de Kioto, saíram rapidamente a anunciar metas imediatas de redução da emissão de carbono na atmosfera, tendo por compromisso a substituição do consumo automotivo da gasolina pelo álcool (etanol). Note-se que não se mexe no padrão de consumo, mas transfere-se para uma outra fonte de energia – o álcool – a responsabilidade por reduzir as emissões norte-americanas de carbono na atmosfera.
A visita do Bush ao Brasil trouxe acenos à conclusão de acordos de longo prazo a grandes importações de álcool do Brasil – o que imediatamente disparou no circuito sucro-alcooleiro do agronegócio uma desmesurada euforia; previamente já calibrada pelas negociações com o Japão e com a Comunidade Européia na mesma direção.
Na verdade a ofensiva diplomática – Bush, que de resto nada de concreto ainda acertou – deixou transitoriamente eufóricos os conservadores de todas as matizes, ávidos por voltar a transformar o Brasil num imenso canavial exportador de álcool para o primeiro mundo.
Não se perguntam sobre a viabilidade econômica, ambiental agrária e social dessa estratégia. Parece que se tenta criar um ambiente em que é proibido pensar, visto que tudo parece tão óbvio e determinado, que qualquer ponderação argumentativa é logo desqualificada pelos formadores de opinião.
Em primeiro lugar, precisamos lembrar ao público – que atingida a auto-suficiência em petróleo, há uma prioridade número 1 no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para geração de energia elétrica – hidroelétrica estruturalmente e termoelétrica em termos complementares, sem o que não apenas o PAC, como o país inteiro corre risco do apagão. Introduzir uma meta de exportação de álcool para atender primordialmente uma demanda externa, cuja dimensão pode atingir várias vezes a nossa produção atual de 18,0 bilhões de litros ano é algo muito sério para ser tratado como assunto a ser equacionado pelos mercados.
Recorde-se que o ponto inicial da explosão dessa demanda por álcool é a escassez do petróleo, combinada com os problemas ambientais do efeito estufa. O problema da produção mega industrial do álcool-combustível é precisamente o caráter não industrial dessa produção – os seus pés de barro.
Os efeitos predatórios sobre os recursos não renováveis de solo, recursos hídricos e biodiversidade, associada a uma matriz de alta concentração fundiária e muito baixa incorporação de trabalho, convertem a opção álcool como carro-chefe da agricultura num mergulho profundo no que há mais atrasado no agronegócio brasileiro: a reprodução de relações fundiárias, ambientais e trabalhistas incivilizados, vis-à-vis uma enorme concentração de riqueza na sociedade.
A “commoditização” do álcool e a internacionalização do seu comércio, segundo os critérios da economia política do Império, como querem os corifeus do agronegócio brasileiro, não é nenhuma “janela de oportunidades” ao futuro, mas um mergulho profundo no que já de mais atrasado no nosso passado. Agrava nossa questão agrária, compete com a produção de alimentos e muito provavelmente repõe o efeito-estufa e outros problemas ambientais decorrentes do aumento da entropia na produção agrícola a níveis extremos.
(*) Economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
20/03/07
Este arigo foi publicado originalmente na Radioagência NP
Guilherme C. Delgado*
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Muito mais rápido do que se poderia imaginar, o governo Bush reagiu às conclusões do IV Relatório Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – que afirmou de maneira enfática a responsabilidade humana sobre a geração do efeito estufa e de suas catastróficas conseqüências. Os Estados Unidos, como grande vilão dessa situação – omissos na aceitação do tratado de Kioto, saíram rapidamente a anunciar metas imediatas de redução da emissão de carbono na atmosfera, tendo por compromisso a substituição do consumo automotivo da gasolina pelo álcool (etanol). Note-se que não se mexe no padrão de consumo, mas transfere-se para uma outra fonte de energia – o álcool – a responsabilidade por reduzir as emissões norte-americanas de carbono na atmosfera.
A visita do Bush ao Brasil trouxe acenos à conclusão de acordos de longo prazo a grandes importações de álcool do Brasil – o que imediatamente disparou no circuito sucro-alcooleiro do agronegócio uma desmesurada euforia; previamente já calibrada pelas negociações com o Japão e com a Comunidade Européia na mesma direção.
Na verdade a ofensiva diplomática – Bush, que de resto nada de concreto ainda acertou – deixou transitoriamente eufóricos os conservadores de todas as matizes, ávidos por voltar a transformar o Brasil num imenso canavial exportador de álcool para o primeiro mundo.
Não se perguntam sobre a viabilidade econômica, ambiental agrária e social dessa estratégia. Parece que se tenta criar um ambiente em que é proibido pensar, visto que tudo parece tão óbvio e determinado, que qualquer ponderação argumentativa é logo desqualificada pelos formadores de opinião.
Em primeiro lugar, precisamos lembrar ao público – que atingida a auto-suficiência em petróleo, há uma prioridade número 1 no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para geração de energia elétrica – hidroelétrica estruturalmente e termoelétrica em termos complementares, sem o que não apenas o PAC, como o país inteiro corre risco do apagão. Introduzir uma meta de exportação de álcool para atender primordialmente uma demanda externa, cuja dimensão pode atingir várias vezes a nossa produção atual de 18,0 bilhões de litros ano é algo muito sério para ser tratado como assunto a ser equacionado pelos mercados.
Recorde-se que o ponto inicial da explosão dessa demanda por álcool é a escassez do petróleo, combinada com os problemas ambientais do efeito estufa. O problema da produção mega industrial do álcool-combustível é precisamente o caráter não industrial dessa produção – os seus pés de barro.
Os efeitos predatórios sobre os recursos não renováveis de solo, recursos hídricos e biodiversidade, associada a uma matriz de alta concentração fundiária e muito baixa incorporação de trabalho, convertem a opção álcool como carro-chefe da agricultura num mergulho profundo no que há mais atrasado no agronegócio brasileiro: a reprodução de relações fundiárias, ambientais e trabalhistas incivilizados, vis-à-vis uma enorme concentração de riqueza na sociedade.
A “commoditização” do álcool e a internacionalização do seu comércio, segundo os critérios da economia política do Império, como querem os corifeus do agronegócio brasileiro, não é nenhuma “janela de oportunidades” ao futuro, mas um mergulho profundo no que já de mais atrasado no nosso passado. Agrava nossa questão agrária, compete com a produção de alimentos e muito provavelmente repõe o efeito-estufa e outros problemas ambientais decorrentes do aumento da entropia na produção agrícola a níveis extremos.
(*) Economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
20/03/07
Este arigo foi publicado originalmente na Radioagência NP
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