O pico do petróleo e a crise económica
Por Rui Namorado Rosa
A progressiva escassez dos hidrocarbonetos, que representam dois terços do aprovisionamento mundial de energia, é assunto que preocupa um número cada vez maior de profissionais, cientistas, políticos e cidadãos. Especialistas dos cinco continentes, alguns de grande projecção internacional, num total de 330 participantes (incluindo 45 elementos da comunicação social e da produção audio-visual) reuniram-se em Lisboa, em 19-20 de Maio de 2005, no IV Internacional Workshop on Oil and Gas Depletion promovido pela ASPO - Association for the Study of Peak Oil and Gas (www.peakoil.net).
Os sinais de perigo vão-se acumulando. A experiência industrial petrolífera nos vários países tem revelado que a sua capacidade de produção atinge o máximo cerca de 25 a 40 anos após ocorrer o máximo da taxa de descoberta de reservas. Essa observação tem-se repetindo consecutivamente; nos EUA a curva de produção exibiu o seu pico em 1971. Na Europa já ocorreu em todos os países à excepção da Noruega. Na Rússia em 1988, na China prevê-se ocorra já em 2009; etc. E como o pico de descobertas, no plano mundial, se centrou na década de 1960, poderemos antecipar que o correspondente pico da produção poderá ocorrer na primeira década do novo século.
Outro sinal de alarme, é quase metade da produção mundial ser assegurada apenas pelos 120 maiores campos petrolíferos e cerca de 25% da produção mundial ser assegurada por apenas 36 campos gigantes de países do Médio Oriente. Quer dizer que o crescimento da produção tem nas últimas duas décadas sido assegurado por uma multidão cada vez mais numerosa de depósitos cada vez mais pequenos, a custos crescentes.
As grandes potências, de exportadores passaram progressivamente (com a excepção da Rússia) a importadores de hidrocarbonetos. Tal aconteceu com os EUA no início da década de 1940; recentemente com a R.P. da China (importador de petróleo desde 1993 e também de gás desde 2004). A Indonésia, cujos recursos petrolíferos estiveram na origem da Royal Dutch Shell, e que integra a OPEC desde 1962, está actualmente a transitar para a condição de país importador (depois de ter atingido o pico da produção em 1980 com um máximo secundário em 1995).
As deslocalizações industriais em direcção ao Sudeste Asiático, onde reside o grosso da população mundial, com capitação do PIB muito baixo, mas com uma elite instruída cada vez mais numerosa, exigem fluxos de energia cada vez mais intensos para esses países, a fim de sustentarem a subida do nível de vida dessas populações e para alimentarem a enorme capacidade produtiva que o capital internacional aí tem investido.
As repercussões económicas estarão a revelar-se já determinantes na esfera económica. A energia é um factor de produção cuja real produtividade é muito superior à respectiva contribuição para a estrutura de preços; a sua disponibilidade é um factor limitante do crescimento económico (Robert Ayres, INSEAD, Fontainebleau, e IIASA, Laxenburg). O modelo de globalização fundado em energia barata estava falseado (Matt Simmons, Investment Bankers to the Energy Industry, USA).
A reunião deste ano em Lisboa reuniu trinta especialistas que trataram dos aspectos científicos e técnicos do esgotamento do petróleo e do gás, alargando a análise às vertentes e consequências económica, financeira, social e política. Um painel de políticos debateu a necessidade e viabilidade de acção política e, em particular, os méritos de um Protocolo intergovernamental que ofereça um mecanismos claro e operacional para lidar com o grave desafio da transição para a decrescente disponibilidade e escassez de combustíveis fósseis. (As comunicações estão acessíveis em www.cge.uevora.pt/).
No final do século XX, cinco fontes primárias asseguravam contribuições importantes e em boa medida especializadas no aprovisionamento mundial de energia: o petróleo com 40%, o gás natural e o carvão com cerca de 25% cada (mas com tendências contrárias, ascendente o primeiro, descendente o segundo), a fracção restante sendo devida a energias nuclear e hídrica (ambas na produção de energia eléctrica).
Porém, as diversas fontes de energia não são equivalentes e, portanto, as respectivas substituições não são física e economicamente indiferentes. O petróleo substituiu o carvão não por exaustão do carvão; e o gás natural, que em regra acompanha geologicamente o petróleo, começou por ser negligenciado, até passar a ser recuperado lá onde escasseou o petróleo. O petróleo é, como líquido, facilmente armazenável, transportável e destilável, uma matéria-prima energética e química incomparável. Ele poderá ser substituído em termos de poder calorífico mas não é substituível no conjunto das suas superiores propriedades.
Em particular, o petróleo é a mais eficaz origem de combustíveis líquidos, universalmente utilizados em motores de combustão interna, com destacada predominância nos sectores de transportes aéreo, marítimo e terrestre. E por esta via o petróleo está omnipresente e tem uma importância imediata e determinante no comércio, a todos os níveis de integração económica. A globalização capitalista não é suportável sem a especialização vertical e horizontal da produção mundial, suportada em intensos fluxos de mercadorias.
O pensamento económico dominante alimenta a fantasia: Que os hidrocarbonetos existem em quantidades cornucopianas, que a tecnologia fará progressos ilimitados, que o mercado resolverá as tensões e encontrará o equilíbrio entre a procura e a oferta. Esse pensamento quer fazer ignorar que a Humanidade e os processos económicos estão contidos e decorrem na Natureza e sujeitos às leis naturais.
A captação ou extracção de uma fonte de energia primária é uma actividade económica que ela própria consome recursos, e em particular energia. Por cada barril de petróleo investido no Golfo Pérsico podem ser extraídos, refinados e transportados trinta ou mais barris. Se esse indicador (o retorno da energia investida na extracção) declina, mais energia bruta terá de ser extraída para colher a mesma quantidade de energia líquida, efectivamente utilizada para outras actividades económicas.
A evolução para fontes ou tecnologias de menor retorno energético implica a redução da energia efectivamente disponível para as restantes actividades e/ou o aumento do investimento e a diminuição da rentabilidade do sector energético. O retorno no caso de extracção de hidrocarbonetos a partir de areias betuminosas é próximo de 2; essa extracção implica enorme mobilização de energia (actualmente gás natural) e de massa (desmonte de rochas e consumo de caudais de água) para obter relativamente modestas quantidades de energia útil; o cenário de tais hidrocarbonetos serem extraídos à custa da sua própria energia, não obstante existirem enormes recursos, parece inverosímil.
A energia é crucial ao funcionamento de todas as economias. O ferro pode substituir o cobre, o alumínio pode substituir o ferro ou o cobre, o ferro pode substituir a madeira, o betão pode substituir o ferro, o titânio pode substituir o alumínio - com eventuais constrangimentos ou até grandes vantagens. Mas energia só pode ser substituída por energia - eventualmente de outra origem - mas por opção ou por constrangimento, com vantagem ou desvantagem?
O mundo do petróleo tem sido mantido no reino de uma nada ingénua fantasia. Os elementos estatísticos publicamente disponíveis não são confiáveis por razões comerciais, políticas ou outras. Essa circunstância está bem ilustrada pelo facto de, entre 1985 e 1990, seis países da OPEC (Kuwait, Abu-Dhabi, Irão, Iraque, Venezuela e Arábia Saudita) terem elevado as respectivas reservas de petróleo para quase o dobro, sem que tivessem sido relatadas correspondentes descobertas; como está no facto de, desde então, manterem ou ajustarem em alta os valores reportados, não obstante as quantidades entretanto extraídas. Por outro lado, grande parte da produção, refinação e transporte é controlada por um cada vez mais restrito número de poderosas corporações transnacionais. Seguindo o curso de concentração imperialista, estas têm procurado elevar os respectivos activos financeiros através de fusões e aquisições de "minors" (inclusivamente as sete "irmãs" do início do século XX reduziram-se a apenas três super "major" no fim do século: Exxon-Mobil, BP-Amoco-Arco e Royal Dutch Shell), por essa via alimentando a ilusão que os activos físicos na Natureza teriam crescido também.
O secretismo e a manipulação a que os resultados de prospecção ficam submetidos são um grande obstáculo ao conhecimento da realidade física e exige um grande esforço para destrinçar os dados publicados e colher dados seguros para utilizar em modelos interpretativos e preditivos. M. King Hubbert conseguiu ultrapassar esses obstáculos em meados do século XX e Colin Campbell e Jean Laherrére, The End of Cheap Oil, Scientific American, March 1998, conseguiram-no também, no fim do século. Esse trabalho de colheita, selecção e crítica de dados tem sido o suporte da elaboração de relatos, país por país, e de um cenário mundial que vem sendo regularmente actualizado, todos eles publicados na ASPO Newsletter (www.peakoil.ei). O resultado desta avaliação aponta para um pico de produção global do conjunto de hidrocarbonetos líquidos (petróleo convencional mais não convencional) ao nível de 30 biliões barris/ano nos primeiros anos deste século. Desse total, cerca de 5 biliões é a contribuição não convencional, a qual se estima possa ser sustentada durante 40 anos, não obviando, porém, que a contribuição de petróleo convencional, actualmente ainda dominante, decline a um ritmo que agora seria perto de 3% ao ano (e mais tarde maior será).
Só nos anos mais recentes os respectivos discursos têm moderado a tradicional euforia; a aparente honestidade dos executivos da Shell, ao rever em baixa as respectivas reservas, causou escândalo na esfera financeira e levou à demissão de três deles (Setembro 2004); o relatório da Exxon Mobil - The Outlook for Energy: A 2030 View - admite francamente a eminência de um plateau na respectiva produção (Maio 2005); o Deutsche Bank Research, in Current Issues (December 2, 2004), Energy prospects after the petroleum age - prevê a escassez do petróleo e do gás natural e o aumento significativo de preços dentre de alguns anos, etc.
É urgente que o nosso País assuma uma política energética bem fundamentada e se dote das bases institucionais científicas e técnicas para a formular e conduzir.
Existem no território Português amplas áreas sedimentares susceptíveis de conter hidrocarbonetos, sobretudo a Oeste a bacia Lusitaniana. Mais a Norte e a Sul temos ainda a bacia do Porto e as bacias do Alentejo e do Algarve. A Lusitaniana é de todas a que compreende uma extensa área de onshore, a orla meso-cenozoica costeira Ocidental.
As primeiras referências a hidrocarbonetos em Portugal continental reportam-se a meados do século XIX, quando foi concedida licença de exploração de asfalto numa das várias ocorrências de rochas impregnadas. Os primeiros furos de prospecção de petróleo foram executados no início do século XX. Uma concessão no onshore das bacias Lusitaniana e Algarve vigorou de 1938 a 1969, tendo a primeira sido objecto de 4.000 km de perfis sísmicos e 68 furos, tendo muitos destes produzido resultados positivos. Em 1973-74 foram contratadas 30 licenças, desta vez no offshore, ao abrigo das quais foram executados 20.000 km de perfis sísmicos e 22 furos, muitos deles com resultados positivos também. Após 1979 o ritmo de prospecção abrandou substancialmente, mas abrangendo as várias bacias (excepto Alentejo) e tanto o onshore (Lusitaniano) como o offshore (Porto e Algarve); boa proporção dos furos executados produziu sinais positivos. Mesmo a bacia Lusitaniana, a mais estudada, com uma densidade de furos prospectivos ("wild-cats") inferior a 3 por 1.000 km2, é considerada sub-explorada.
Acabará por surgir como evidência aos olhos dos decisores da política económica nacional que a prospecção de hidrocarbonetos (na verdade dos recursos naturais em geral) deverá ser retomada, tão cedo quanto possível, tanto na bacia Lusitaniana, como também na extensa plataforma continental Portuguesa, ao abrigo da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, sem o que, aliás, não poderá vir a assumir os seus potenciais direitos sobre os recursos aí existentes.
A recessão em que a economia portuguesa vem mergulhando ao longo da última década é o resultado previsível de políticas ditas económicas que dizem pretender produzir quando, progressivamente, são abandonados os aproveitamentos dos nossos recursos naturais e das nossas capacidades produtivas. A começar pela dependência energética, que atinge quase 90%, a que se junta a dependência alimentar, que convergem com o desmantelamento de sectores industriais inteiros (com o que isso significa de alienação de capacidades técnicas e de equipamentos produtivos). Enquanto são criados cenários futuristas justificados por critérios financeiros sem conexão com a economia real.
Este artigo encontra-se originalmente publicado no sítio jornalístico "Janela na Web" em:
http://www.janelanaweb.com/digitais/rui_rosa43.html
Por Rui Namorado Rosa
A progressiva escassez dos hidrocarbonetos, que representam dois terços do aprovisionamento mundial de energia, é assunto que preocupa um número cada vez maior de profissionais, cientistas, políticos e cidadãos. Especialistas dos cinco continentes, alguns de grande projecção internacional, num total de 330 participantes (incluindo 45 elementos da comunicação social e da produção audio-visual) reuniram-se em Lisboa, em 19-20 de Maio de 2005, no IV Internacional Workshop on Oil and Gas Depletion promovido pela ASPO - Association for the Study of Peak Oil and Gas (www.peakoil.net).
Os sinais de perigo vão-se acumulando. A experiência industrial petrolífera nos vários países tem revelado que a sua capacidade de produção atinge o máximo cerca de 25 a 40 anos após ocorrer o máximo da taxa de descoberta de reservas. Essa observação tem-se repetindo consecutivamente; nos EUA a curva de produção exibiu o seu pico em 1971. Na Europa já ocorreu em todos os países à excepção da Noruega. Na Rússia em 1988, na China prevê-se ocorra já em 2009; etc. E como o pico de descobertas, no plano mundial, se centrou na década de 1960, poderemos antecipar que o correspondente pico da produção poderá ocorrer na primeira década do novo século.
Outro sinal de alarme, é quase metade da produção mundial ser assegurada apenas pelos 120 maiores campos petrolíferos e cerca de 25% da produção mundial ser assegurada por apenas 36 campos gigantes de países do Médio Oriente. Quer dizer que o crescimento da produção tem nas últimas duas décadas sido assegurado por uma multidão cada vez mais numerosa de depósitos cada vez mais pequenos, a custos crescentes.
As grandes potências, de exportadores passaram progressivamente (com a excepção da Rússia) a importadores de hidrocarbonetos. Tal aconteceu com os EUA no início da década de 1940; recentemente com a R.P. da China (importador de petróleo desde 1993 e também de gás desde 2004). A Indonésia, cujos recursos petrolíferos estiveram na origem da Royal Dutch Shell, e que integra a OPEC desde 1962, está actualmente a transitar para a condição de país importador (depois de ter atingido o pico da produção em 1980 com um máximo secundário em 1995).
As deslocalizações industriais em direcção ao Sudeste Asiático, onde reside o grosso da população mundial, com capitação do PIB muito baixo, mas com uma elite instruída cada vez mais numerosa, exigem fluxos de energia cada vez mais intensos para esses países, a fim de sustentarem a subida do nível de vida dessas populações e para alimentarem a enorme capacidade produtiva que o capital internacional aí tem investido.
As repercussões económicas estarão a revelar-se já determinantes na esfera económica. A energia é um factor de produção cuja real produtividade é muito superior à respectiva contribuição para a estrutura de preços; a sua disponibilidade é um factor limitante do crescimento económico (Robert Ayres, INSEAD, Fontainebleau, e IIASA, Laxenburg). O modelo de globalização fundado em energia barata estava falseado (Matt Simmons, Investment Bankers to the Energy Industry, USA).
A reunião deste ano em Lisboa reuniu trinta especialistas que trataram dos aspectos científicos e técnicos do esgotamento do petróleo e do gás, alargando a análise às vertentes e consequências económica, financeira, social e política. Um painel de políticos debateu a necessidade e viabilidade de acção política e, em particular, os méritos de um Protocolo intergovernamental que ofereça um mecanismos claro e operacional para lidar com o grave desafio da transição para a decrescente disponibilidade e escassez de combustíveis fósseis. (As comunicações estão acessíveis em www.cge.uevora.pt/).
No final do século XX, cinco fontes primárias asseguravam contribuições importantes e em boa medida especializadas no aprovisionamento mundial de energia: o petróleo com 40%, o gás natural e o carvão com cerca de 25% cada (mas com tendências contrárias, ascendente o primeiro, descendente o segundo), a fracção restante sendo devida a energias nuclear e hídrica (ambas na produção de energia eléctrica).
Porém, as diversas fontes de energia não são equivalentes e, portanto, as respectivas substituições não são física e economicamente indiferentes. O petróleo substituiu o carvão não por exaustão do carvão; e o gás natural, que em regra acompanha geologicamente o petróleo, começou por ser negligenciado, até passar a ser recuperado lá onde escasseou o petróleo. O petróleo é, como líquido, facilmente armazenável, transportável e destilável, uma matéria-prima energética e química incomparável. Ele poderá ser substituído em termos de poder calorífico mas não é substituível no conjunto das suas superiores propriedades.
Em particular, o petróleo é a mais eficaz origem de combustíveis líquidos, universalmente utilizados em motores de combustão interna, com destacada predominância nos sectores de transportes aéreo, marítimo e terrestre. E por esta via o petróleo está omnipresente e tem uma importância imediata e determinante no comércio, a todos os níveis de integração económica. A globalização capitalista não é suportável sem a especialização vertical e horizontal da produção mundial, suportada em intensos fluxos de mercadorias.
O pensamento económico dominante alimenta a fantasia: Que os hidrocarbonetos existem em quantidades cornucopianas, que a tecnologia fará progressos ilimitados, que o mercado resolverá as tensões e encontrará o equilíbrio entre a procura e a oferta. Esse pensamento quer fazer ignorar que a Humanidade e os processos económicos estão contidos e decorrem na Natureza e sujeitos às leis naturais.
A captação ou extracção de uma fonte de energia primária é uma actividade económica que ela própria consome recursos, e em particular energia. Por cada barril de petróleo investido no Golfo Pérsico podem ser extraídos, refinados e transportados trinta ou mais barris. Se esse indicador (o retorno da energia investida na extracção) declina, mais energia bruta terá de ser extraída para colher a mesma quantidade de energia líquida, efectivamente utilizada para outras actividades económicas.
A evolução para fontes ou tecnologias de menor retorno energético implica a redução da energia efectivamente disponível para as restantes actividades e/ou o aumento do investimento e a diminuição da rentabilidade do sector energético. O retorno no caso de extracção de hidrocarbonetos a partir de areias betuminosas é próximo de 2; essa extracção implica enorme mobilização de energia (actualmente gás natural) e de massa (desmonte de rochas e consumo de caudais de água) para obter relativamente modestas quantidades de energia útil; o cenário de tais hidrocarbonetos serem extraídos à custa da sua própria energia, não obstante existirem enormes recursos, parece inverosímil.
A energia é crucial ao funcionamento de todas as economias. O ferro pode substituir o cobre, o alumínio pode substituir o ferro ou o cobre, o ferro pode substituir a madeira, o betão pode substituir o ferro, o titânio pode substituir o alumínio - com eventuais constrangimentos ou até grandes vantagens. Mas energia só pode ser substituída por energia - eventualmente de outra origem - mas por opção ou por constrangimento, com vantagem ou desvantagem?
O mundo do petróleo tem sido mantido no reino de uma nada ingénua fantasia. Os elementos estatísticos publicamente disponíveis não são confiáveis por razões comerciais, políticas ou outras. Essa circunstância está bem ilustrada pelo facto de, entre 1985 e 1990, seis países da OPEC (Kuwait, Abu-Dhabi, Irão, Iraque, Venezuela e Arábia Saudita) terem elevado as respectivas reservas de petróleo para quase o dobro, sem que tivessem sido relatadas correspondentes descobertas; como está no facto de, desde então, manterem ou ajustarem em alta os valores reportados, não obstante as quantidades entretanto extraídas. Por outro lado, grande parte da produção, refinação e transporte é controlada por um cada vez mais restrito número de poderosas corporações transnacionais. Seguindo o curso de concentração imperialista, estas têm procurado elevar os respectivos activos financeiros através de fusões e aquisições de "minors" (inclusivamente as sete "irmãs" do início do século XX reduziram-se a apenas três super "major" no fim do século: Exxon-Mobil, BP-Amoco-Arco e Royal Dutch Shell), por essa via alimentando a ilusão que os activos físicos na Natureza teriam crescido também.
O secretismo e a manipulação a que os resultados de prospecção ficam submetidos são um grande obstáculo ao conhecimento da realidade física e exige um grande esforço para destrinçar os dados publicados e colher dados seguros para utilizar em modelos interpretativos e preditivos. M. King Hubbert conseguiu ultrapassar esses obstáculos em meados do século XX e Colin Campbell e Jean Laherrére, The End of Cheap Oil, Scientific American, March 1998, conseguiram-no também, no fim do século. Esse trabalho de colheita, selecção e crítica de dados tem sido o suporte da elaboração de relatos, país por país, e de um cenário mundial que vem sendo regularmente actualizado, todos eles publicados na ASPO Newsletter (www.peakoil.ei). O resultado desta avaliação aponta para um pico de produção global do conjunto de hidrocarbonetos líquidos (petróleo convencional mais não convencional) ao nível de 30 biliões barris/ano nos primeiros anos deste século. Desse total, cerca de 5 biliões é a contribuição não convencional, a qual se estima possa ser sustentada durante 40 anos, não obviando, porém, que a contribuição de petróleo convencional, actualmente ainda dominante, decline a um ritmo que agora seria perto de 3% ao ano (e mais tarde maior será).
Só nos anos mais recentes os respectivos discursos têm moderado a tradicional euforia; a aparente honestidade dos executivos da Shell, ao rever em baixa as respectivas reservas, causou escândalo na esfera financeira e levou à demissão de três deles (Setembro 2004); o relatório da Exxon Mobil - The Outlook for Energy: A 2030 View - admite francamente a eminência de um plateau na respectiva produção (Maio 2005); o Deutsche Bank Research, in Current Issues (December 2, 2004), Energy prospects after the petroleum age - prevê a escassez do petróleo e do gás natural e o aumento significativo de preços dentre de alguns anos, etc.
É urgente que o nosso País assuma uma política energética bem fundamentada e se dote das bases institucionais científicas e técnicas para a formular e conduzir.
Existem no território Português amplas áreas sedimentares susceptíveis de conter hidrocarbonetos, sobretudo a Oeste a bacia Lusitaniana. Mais a Norte e a Sul temos ainda a bacia do Porto e as bacias do Alentejo e do Algarve. A Lusitaniana é de todas a que compreende uma extensa área de onshore, a orla meso-cenozoica costeira Ocidental.
As primeiras referências a hidrocarbonetos em Portugal continental reportam-se a meados do século XIX, quando foi concedida licença de exploração de asfalto numa das várias ocorrências de rochas impregnadas. Os primeiros furos de prospecção de petróleo foram executados no início do século XX. Uma concessão no onshore das bacias Lusitaniana e Algarve vigorou de 1938 a 1969, tendo a primeira sido objecto de 4.000 km de perfis sísmicos e 68 furos, tendo muitos destes produzido resultados positivos. Em 1973-74 foram contratadas 30 licenças, desta vez no offshore, ao abrigo das quais foram executados 20.000 km de perfis sísmicos e 22 furos, muitos deles com resultados positivos também. Após 1979 o ritmo de prospecção abrandou substancialmente, mas abrangendo as várias bacias (excepto Alentejo) e tanto o onshore (Lusitaniano) como o offshore (Porto e Algarve); boa proporção dos furos executados produziu sinais positivos. Mesmo a bacia Lusitaniana, a mais estudada, com uma densidade de furos prospectivos ("wild-cats") inferior a 3 por 1.000 km2, é considerada sub-explorada.
Acabará por surgir como evidência aos olhos dos decisores da política económica nacional que a prospecção de hidrocarbonetos (na verdade dos recursos naturais em geral) deverá ser retomada, tão cedo quanto possível, tanto na bacia Lusitaniana, como também na extensa plataforma continental Portuguesa, ao abrigo da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, sem o que, aliás, não poderá vir a assumir os seus potenciais direitos sobre os recursos aí existentes.
A recessão em que a economia portuguesa vem mergulhando ao longo da última década é o resultado previsível de políticas ditas económicas que dizem pretender produzir quando, progressivamente, são abandonados os aproveitamentos dos nossos recursos naturais e das nossas capacidades produtivas. A começar pela dependência energética, que atinge quase 90%, a que se junta a dependência alimentar, que convergem com o desmantelamento de sectores industriais inteiros (com o que isso significa de alienação de capacidades técnicas e de equipamentos produtivos). Enquanto são criados cenários futuristas justificados por critérios financeiros sem conexão com a economia real.
Este artigo encontra-se originalmente publicado no sítio jornalístico "Janela na Web" em:
http://www.janelanaweb.com/digitais/rui_rosa43.html
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