Nota: Trata-se de um antigo artigo mas acertado quanto aos acontecimentos entretanto ocorridos e relevante para o momento actual e o futuro desenrolar da crise energética.
O iminente declínio do petróleo
Rui Namorado Rosa
Observadores atentos dos acontecimentos internacionais saberão, mas a larga maioria dos cidadãos ignora, porque lhes é intencionalmente escondido, que existe uma “agenda escondida” dos decisores políticos no plano da política internacional. Ainda menos observadores atentos saberão que no topo dessa agenda está o acesso e o controlo dos recursos energéticos mundiais. E que a actual fase de agressividade brutal do imperialismo é movida também pelo reconhecimento (que o público em geral ignora) de que a actual disponibilidade de energia está em vias de extinção. Em vez de trabalhar por alternativas viáveis no interesse da Humanidade, o saque aos recursos energéticos é o pretexto para as intervenções diplomáticas cobertas e encobertas e para as intervenções militares ”humanitárias” ou “anti-terroristas” por todo o mundo; no Golfo Pérsico, na Ásia Central, na América Latina, em África; nos próprios EUA.
O SAQUE
A “globalização” é também esse saque que está em curso.
A essa luz, as agressões e as ingerências acontecidas ou por acontecer no Iraque, no Irão, na Colômbia, na Venezuela, etc., e a presença militar dos EUA, apoiados no Reino Unido, no Golfo Pérsico, nos Balcãs, na bacia do Cáspio, no Golfo do México, etc., são dramáticos mas meros episódios previstos nessa “agenda escondida”.
A industrialização no decurso do século XX está marcada pela ascensão do petróleo como a mais importante fonte de energia primária, e dos seus derivados como os mais essenciais combustíveis para os transportes e a produção termoeléctrica (as gasolinas, o “diesel”, o “fuelóleo” e o “jetoil”) e essenciais matérias-primas para as petroquímicas (as “naftas”, os BTX e vários produtos químicos).
Porém, acumula-se a evidência de que a capacidade de produção de petróleo “convencional” está a atingir os seus limites. O petróleo convencional é aquele de que o mundo afluente se tem alimentado desde o princípio do século XX e que na década de 60 ultrapassou o carvão como principal fonte de energia. O petróleo convencional é de extracção relativamente acessível e económica; no caso das jazidas gigantes da Arábia Saudita a um preço da ordem de 1ou 2 dólar por barril. A fracção de hidrocarbonetos líquidos que acompanha a extracção de gás natural, pode ser contabilizada e adicionada á produção de petróleo convencional. Esta fonte de hidrocarbonetos aumentará previsivelmente até cerca de 2050, em resultado de a produção de gás natural exceder nesse período a de petróleo, mas em quantidade que, atenuando o declínio da produção de petróleo convencional, não adiará perceptivelmente o tempo de ocorrência do “pico” de produção de hidrocarbonetos líquidos.
O PETRÓLEO NÃO CONVENCIONAL
O petróleo não convencional — isto é, o heavy oil (ou petróleo pesado), o petróleo polar, o petróleo do deep ocean offshore (oceano profundo), as areias betuminosas e os xistos asfálticos — é ou de qualidade inferior, sendo de extracção e refinação mais dispendiosa (caso do petróleo pesado da bacia do Orinoco na Venezuela), ou de elevado custo de extracção (custo não só económico mas energético também). O petróleo polar implica impactos ambientais em zonas sensíveis e mesmo protegidas, e também investimentos intensivos, sobretudo associados ao transporte para os centros consumidores. O petróleo do oceano profundo (extraído em laminas de água superiores a 500 metros) apresenta condições geológicas complexas e ambientais rigorosas, mais elevado risco de investimento e agravado custo de extracção. O aproveitamento das areias betuminosas implica impactos ambientais pesados, custos económicos e energéticos elevados, tais que as eventuais reservas produtíveis serão muito inferiores aos recursos existentes na crusta. Situação mais problemática ainda é a dos xistos betuminosos. Todavia a “propaganda” anestesiante procura fazer passar a ideia de recursos fabulosos à superfície da Terra. Uma fantasia, como oferecer a Lua. A referência cada vez mais frequente a esses “novos” recursos de petróleo não convencional é ela mesma a mais clara confissão de que o petróleo “barato”, o petróleo convencional, está a aproximar-se dos seus limites.
Os recursos de petróleo não convencional são comparáveis aos de petróleo convencional; mas a fracção convertível em reservas exploráveis ascende, com optimismo, a não mais que 20% desses recursos. E a custos técnicos, económicos e ambientais substancialmente mais elevados, de todo não comparáveis aos custos do petróleo do Golfo Pérsico... A somar a estes custos, o desenvolvimento de tais reservas exigirá períodos de tempo dilatados. Mas investimentos pesados a longo prazo é algo que não cabe no quadro da actual organização económica; o que não exclui a possibilidade de um ou outro conglomerado petrolífero o vir a fazer, na perspectiva de retorno à custa da extrema escassez futura. Mas não haja dúvida, embora possa haver uma fronteira difusa entre petróleo convencional e não convencional, acabado o primeiro, a economia do segundo será substancialmente diferente, e o custo de energia será muito superior.
A FLAT LAND
É convicção corrente, alimentada pela informação oriunda da maioria dos organismos oficiais e das empresas petrolíferas, que a produção de petróleo poderia prosseguir indefinidamente, como se o recurso natural fosse ilimitado, ou seja, como se o planeta Terra fosse plano e não esférico e portanto finito. É a visão conhecida por flat land.
Essa visão idealista é conforme à teoria económica dominante, segundo a qual os diversos factores de produção seriam ilimitados e intermutáveis, como se não tivessem “qualidades” distintas, e o mercado seria um regulador perfeito da actividade económica, ”oferecendo” automaticamente fluxos de matérias-primas, de força de trabalho e de energia, em reposta inevitável ao aumento de “procura” e à subida dos preços respectivos. Tal teoria económica pressupõe que haja uma Terra com recursos ilimitados e com ilimitada capacidade de gerar fluxos desses recursos; bem como um exército de desempregados e de técnicos já qualificados, em todas as especialidades; num e noutro caso disponíveis no imediato, como se o desenvolvimento de uma província petrolífera não levasse cerca de uma década e a formação de especialistas num novo domínio cerca de um lustro.
Mas a longa experiência da industria petrolífera prova que não é assim. A produção em cada província é assegurada maioritariamente por um escasso número de jazidas gigantes, um elevado número de pequenas jazidas fornecendo apenas um modesto complemento. O nível de produção de cada província, uma vez todas as jazidas postas a produzir, não mais poderá crescer significativamente e, pelo contrário, entrará em declínio, a um ritmo que só a multiplicação do número de poços consegue atenuar. O custo de extracção vai crescendo em função do volume de produção acumulada em cada província petrolífera.
O ritmo de descoberta de novas jazidas de petróleo tem diminuído e as grandes jazidas vão escasseando. À escala global, o ritmo de consumo já ultrapassou e vem excedendo, desde 1981, as descobertas de novas províncias petrolíferas. O pico das descobertas à escala mundial ocorreu em 1964. Como o ritmo das descobertas deixou de compensar o ritmo de consumo, o balanço é negativo, e as reservas restantes tem diminuído persistentemente.
O “crescimento de reservas”, ou seja, a reavaliação em alta das reservas das províncias petrolífera já conhecidas — em resultado conjugado do factor económico preço e do factor técnico taxa de recuperação do petróleo in situ — tem decrescido também, e será no futuro muito mais reduzido do que no passado. Depois de um século de prospecção em todo o mundo, e de aperfeiçoamentos científicos e tecnológicos na geofísica e na engenharia do petróleo, sabe-se hoje virtualmente quase tudo sobre essa matéria, e particularmente sabe-se que recursos existem e quais os seus limites. O maior obstáculo é, de facto, o secretismo de que os resultados tem sido objecto por parte de empresas petrolíferas, governos e organismos internacionais. Em suma, conjugando informações de origens diversas, os especialistas estimam que, ainda na presente década, ocorra o “pico” da produção mundial de petróleo.
O MÁXIMO POSSÍVEL
A região do Golfo Pérsico detém a maior fracção das reservas restantes. A OPEP, que assegura actualmente uma fracção superior a 30% da produção mundial, terá um peso crescente nesse abastecimento e na formação do preço. A actual produção mundial de cerca 75 milhões de barris/dia poderá ascender a um máximo de cerca 80 milhões de barris/dia na presente década. A OPEP, só por si, poderá elevar ainda a respectiva produção até 45 milhões de barris/dia até 2015, mas já num contexto mais geral de exaustão ou declínio. Por isso o pico do petróleo ocorrerá antes desta última data.
Os EUA são o país com mais longa e completa experiência na indústria petrolífera. No território dos 48 estados contíguos, as descobertas atingiram o seu máximo em 1930, de que resultou uma produção que atingiu o apogeu em 1971. Desde então o declínio tem sido inexorável.
No Alaska foi entretanto descoberta e desenvolvida uma província petrolífera em Prudhoe Bay. O investimento necessário à sua exploração, incluindo o extenso oleoduto, foi muito elevado e demorado, como é próprio de uma fonte considerada já não convencional. E todavia a respectiva produção passou o seu máximo doze anos depois, em 1989.
Ora a produção nos EUA atingiu o seu apogeu sem que fossem adoptadas políticas de desenvolvimento sustentado no plano doméstico, o que ilustra como o mercado não oferece solução para o desenvolvimento sustentado. O caminho prosseguido está à vista: os EUA declararam como seu interesse vital o acesso às fontes de energia mundiais. E estão a prosseguir essa política, agora sob a designação de “guerra ao terrorismo”, nomeadamente estabelecendo alianças com regimes corruptos, bases militares em regiões estratégicas para o domínio de províncias petrolíferas e de oleodutos e, bem assim, desencadeado ameaças militares e acções de guerra. Mais discreto é o apoio diplomático e o financiamento invisível das empresas petrolíferas — o que frequentemente é feito através do inesgotável financiamento para a Defesa Nacional, tal como é já tradicional em relação às empresas dos sectores aeronáutico, automóvel, nuclear, energético e químico-farmacêutico (consequentemente as mais lucrativas e portanto mais poderosas). É um ciclo vicioso, em que o poder económico influencia e domina o poder político e este apoia no plano internacional e financia os consórcios económicos com recursos públicos.
A RÚSSIA E O CÁSPIO
A Rússia e a bacia do Cáspio detêm cerca de 15% das reservas mundiais de petróleo convencional. Porém, significativos recursos e reservas adicionais de petróleo polar na região Árctica são expectáveis. A Rússia mais a bacia do Cáspio forneceram em 2001 cerca de 11% da produção mundial de petróleo convencional. Essa produção poderá aumentar ainda 50%, durante os próximos anos, podendo contribuir então com cerca de 15% da produção mundial.
Na Rússia, o sector económico mais dinâmico na última década tem sido o energético, o qual tem gerado acumulação de capital e suportado a constituição da oligarquia financeira emergente. Este sector tem tripla importância para os EUA: é a estrutura económica que na Rússia mais rapidamente se constitui como capitalista; por outro lado, pode servir os “interesses vitais” dos EUA na segurança do aprovisionamento energético; finalmente, pode servir o objectivo geo-estratégico de controlar o aprovisionamento energético de outros grandes países carentes de fontes de energia própria – designadamente a Índia e o Japão, a China e outros países do Extremo Oriente. Estas razões tem levado os EUA a estreitarem relações políticas com a Rússia. Por seu lado, a Rússia terá interesse em desenvolver ao máximo as suas infra-estruturas energéticas e manter relativo equilíbrio de relações comercias quer com a Europa, quer com o Extremo Oriente, quer com os EUA, nesse sentido tendo programado o prosseguimento do desenvolvimento das actuais províncias produtoras, novas pesquisas na zona Ártica e, ainda, o reforço e alargamento da rede de oleodutos para o ocidente, para a costa do Pacífico e para a RP China. A actual “aproximação” da Rússia aos EUA é uma aliança para desenvolvimentos tecnológicos e investimentos conjuntos no sector energético e para a cooperação e partilha do comércio internacional de matérias-primas energéticas; mas é também uma capitulação da soberania russa face ao império financeiro global. Em breve a Rússia entrará na OMC.
EUROPA OCIDENTAL
Quanto à Europa Ocidental, a província petrolífera do Mar do Norte já ultrapassou a sua produção máxima e entrou em declínio. Essa província veio à luz em 1969, a taxa de descoberta atingiu o seu máximo em 1974 e a taxa de produção o seu apogeu em 2000. Tendo incrementado as reservas estimadas iniciais em 50% e atingido a taxa de recuperação de 50%, mas não podendo já aumentar nem uma nem outra, o declínio é inexorável. O progresso tecnológico faz maravilhas, mas ainda não faz milagres. A Europa terá agora de importar uma crescente quota de petróleo num mercado mundial incerto.
Quanto ao gás natural do Mar do Norte, ele assegura agora 50% do gás natural consumido na União Europeia. Descoberto em 1965, atingiu o máximo de descoberta em 1979 a sua produção espera-se atinja o apogeu em 2005, para entrar depois em declínio também. A Europa depende já, e cada vez mais no futuro, do aprovisionamento de gás natural proveniente do Norte de África e da Rússia.
A Noruega dispõe ainda de recursos adicionais de hidrocarbonetos no Árctico, particularmente gás, que permitirá manter e mesmo acrescentar a sua capacidade produtiva, o que atenuará mas não substituirá a pressão para as importações de fora da Europa Ocidental.
Especialistas oriundos de vários países Europeus, EUA, Rússia e Irão, reunidos num encontro internacional realizado em fins de Maio de 2002 na Universidade de Uppsala na Suécia alertaram para a previsível ocorrência de sérios choques petrolíferos na próxima década (ver http://www.isv.uu.se/iwood2002/welcome.html). Prevê-se que a produção mundial de petróleo convencional iniciará então um declínio irreversível que terá enorme repercussão em todo o mundo.
À luz do conhecimento actual, na base dos actuais dados relativos a reservas e a recursos, descobertos e ainda previsivelmente por descobrir, a produção mundial deverá atingir o seu ponto máximo por volta de 2010. A rede de instituições e especialistas constituída nesse encontro internacional — ASPO (Association for the Study of Peak Oil) — afirmou o propósito de proceder anualmente à actualização do cenário da produção em conformidade com o apuramento dos resultados de exploração e produção verificados.
Este artigo foi originalmente publicado em 30/05/2002 no sítio resistir.info e também reproduzido em Informação Alternativa.
O iminente declínio do petróleo
Rui Namorado Rosa
Observadores atentos dos acontecimentos internacionais saberão, mas a larga maioria dos cidadãos ignora, porque lhes é intencionalmente escondido, que existe uma “agenda escondida” dos decisores políticos no plano da política internacional. Ainda menos observadores atentos saberão que no topo dessa agenda está o acesso e o controlo dos recursos energéticos mundiais. E que a actual fase de agressividade brutal do imperialismo é movida também pelo reconhecimento (que o público em geral ignora) de que a actual disponibilidade de energia está em vias de extinção. Em vez de trabalhar por alternativas viáveis no interesse da Humanidade, o saque aos recursos energéticos é o pretexto para as intervenções diplomáticas cobertas e encobertas e para as intervenções militares ”humanitárias” ou “anti-terroristas” por todo o mundo; no Golfo Pérsico, na Ásia Central, na América Latina, em África; nos próprios EUA.
O SAQUE
A “globalização” é também esse saque que está em curso.
A essa luz, as agressões e as ingerências acontecidas ou por acontecer no Iraque, no Irão, na Colômbia, na Venezuela, etc., e a presença militar dos EUA, apoiados no Reino Unido, no Golfo Pérsico, nos Balcãs, na bacia do Cáspio, no Golfo do México, etc., são dramáticos mas meros episódios previstos nessa “agenda escondida”.
A industrialização no decurso do século XX está marcada pela ascensão do petróleo como a mais importante fonte de energia primária, e dos seus derivados como os mais essenciais combustíveis para os transportes e a produção termoeléctrica (as gasolinas, o “diesel”, o “fuelóleo” e o “jetoil”) e essenciais matérias-primas para as petroquímicas (as “naftas”, os BTX e vários produtos químicos).
Porém, acumula-se a evidência de que a capacidade de produção de petróleo “convencional” está a atingir os seus limites. O petróleo convencional é aquele de que o mundo afluente se tem alimentado desde o princípio do século XX e que na década de 60 ultrapassou o carvão como principal fonte de energia. O petróleo convencional é de extracção relativamente acessível e económica; no caso das jazidas gigantes da Arábia Saudita a um preço da ordem de 1ou 2 dólar por barril. A fracção de hidrocarbonetos líquidos que acompanha a extracção de gás natural, pode ser contabilizada e adicionada á produção de petróleo convencional. Esta fonte de hidrocarbonetos aumentará previsivelmente até cerca de 2050, em resultado de a produção de gás natural exceder nesse período a de petróleo, mas em quantidade que, atenuando o declínio da produção de petróleo convencional, não adiará perceptivelmente o tempo de ocorrência do “pico” de produção de hidrocarbonetos líquidos.
O PETRÓLEO NÃO CONVENCIONAL
O petróleo não convencional — isto é, o heavy oil (ou petróleo pesado), o petróleo polar, o petróleo do deep ocean offshore (oceano profundo), as areias betuminosas e os xistos asfálticos — é ou de qualidade inferior, sendo de extracção e refinação mais dispendiosa (caso do petróleo pesado da bacia do Orinoco na Venezuela), ou de elevado custo de extracção (custo não só económico mas energético também). O petróleo polar implica impactos ambientais em zonas sensíveis e mesmo protegidas, e também investimentos intensivos, sobretudo associados ao transporte para os centros consumidores. O petróleo do oceano profundo (extraído em laminas de água superiores a 500 metros) apresenta condições geológicas complexas e ambientais rigorosas, mais elevado risco de investimento e agravado custo de extracção. O aproveitamento das areias betuminosas implica impactos ambientais pesados, custos económicos e energéticos elevados, tais que as eventuais reservas produtíveis serão muito inferiores aos recursos existentes na crusta. Situação mais problemática ainda é a dos xistos betuminosos. Todavia a “propaganda” anestesiante procura fazer passar a ideia de recursos fabulosos à superfície da Terra. Uma fantasia, como oferecer a Lua. A referência cada vez mais frequente a esses “novos” recursos de petróleo não convencional é ela mesma a mais clara confissão de que o petróleo “barato”, o petróleo convencional, está a aproximar-se dos seus limites.
Os recursos de petróleo não convencional são comparáveis aos de petróleo convencional; mas a fracção convertível em reservas exploráveis ascende, com optimismo, a não mais que 20% desses recursos. E a custos técnicos, económicos e ambientais substancialmente mais elevados, de todo não comparáveis aos custos do petróleo do Golfo Pérsico... A somar a estes custos, o desenvolvimento de tais reservas exigirá períodos de tempo dilatados. Mas investimentos pesados a longo prazo é algo que não cabe no quadro da actual organização económica; o que não exclui a possibilidade de um ou outro conglomerado petrolífero o vir a fazer, na perspectiva de retorno à custa da extrema escassez futura. Mas não haja dúvida, embora possa haver uma fronteira difusa entre petróleo convencional e não convencional, acabado o primeiro, a economia do segundo será substancialmente diferente, e o custo de energia será muito superior.
A FLAT LAND
É convicção corrente, alimentada pela informação oriunda da maioria dos organismos oficiais e das empresas petrolíferas, que a produção de petróleo poderia prosseguir indefinidamente, como se o recurso natural fosse ilimitado, ou seja, como se o planeta Terra fosse plano e não esférico e portanto finito. É a visão conhecida por flat land.
Essa visão idealista é conforme à teoria económica dominante, segundo a qual os diversos factores de produção seriam ilimitados e intermutáveis, como se não tivessem “qualidades” distintas, e o mercado seria um regulador perfeito da actividade económica, ”oferecendo” automaticamente fluxos de matérias-primas, de força de trabalho e de energia, em reposta inevitável ao aumento de “procura” e à subida dos preços respectivos. Tal teoria económica pressupõe que haja uma Terra com recursos ilimitados e com ilimitada capacidade de gerar fluxos desses recursos; bem como um exército de desempregados e de técnicos já qualificados, em todas as especialidades; num e noutro caso disponíveis no imediato, como se o desenvolvimento de uma província petrolífera não levasse cerca de uma década e a formação de especialistas num novo domínio cerca de um lustro.
Mas a longa experiência da industria petrolífera prova que não é assim. A produção em cada província é assegurada maioritariamente por um escasso número de jazidas gigantes, um elevado número de pequenas jazidas fornecendo apenas um modesto complemento. O nível de produção de cada província, uma vez todas as jazidas postas a produzir, não mais poderá crescer significativamente e, pelo contrário, entrará em declínio, a um ritmo que só a multiplicação do número de poços consegue atenuar. O custo de extracção vai crescendo em função do volume de produção acumulada em cada província petrolífera.
O ritmo de descoberta de novas jazidas de petróleo tem diminuído e as grandes jazidas vão escasseando. À escala global, o ritmo de consumo já ultrapassou e vem excedendo, desde 1981, as descobertas de novas províncias petrolíferas. O pico das descobertas à escala mundial ocorreu em 1964. Como o ritmo das descobertas deixou de compensar o ritmo de consumo, o balanço é negativo, e as reservas restantes tem diminuído persistentemente.
O “crescimento de reservas”, ou seja, a reavaliação em alta das reservas das províncias petrolífera já conhecidas — em resultado conjugado do factor económico preço e do factor técnico taxa de recuperação do petróleo in situ — tem decrescido também, e será no futuro muito mais reduzido do que no passado. Depois de um século de prospecção em todo o mundo, e de aperfeiçoamentos científicos e tecnológicos na geofísica e na engenharia do petróleo, sabe-se hoje virtualmente quase tudo sobre essa matéria, e particularmente sabe-se que recursos existem e quais os seus limites. O maior obstáculo é, de facto, o secretismo de que os resultados tem sido objecto por parte de empresas petrolíferas, governos e organismos internacionais. Em suma, conjugando informações de origens diversas, os especialistas estimam que, ainda na presente década, ocorra o “pico” da produção mundial de petróleo.
O MÁXIMO POSSÍVEL
A região do Golfo Pérsico detém a maior fracção das reservas restantes. A OPEP, que assegura actualmente uma fracção superior a 30% da produção mundial, terá um peso crescente nesse abastecimento e na formação do preço. A actual produção mundial de cerca 75 milhões de barris/dia poderá ascender a um máximo de cerca 80 milhões de barris/dia na presente década. A OPEP, só por si, poderá elevar ainda a respectiva produção até 45 milhões de barris/dia até 2015, mas já num contexto mais geral de exaustão ou declínio. Por isso o pico do petróleo ocorrerá antes desta última data.
Os EUA são o país com mais longa e completa experiência na indústria petrolífera. No território dos 48 estados contíguos, as descobertas atingiram o seu máximo em 1930, de que resultou uma produção que atingiu o apogeu em 1971. Desde então o declínio tem sido inexorável.
No Alaska foi entretanto descoberta e desenvolvida uma província petrolífera em Prudhoe Bay. O investimento necessário à sua exploração, incluindo o extenso oleoduto, foi muito elevado e demorado, como é próprio de uma fonte considerada já não convencional. E todavia a respectiva produção passou o seu máximo doze anos depois, em 1989.
Ora a produção nos EUA atingiu o seu apogeu sem que fossem adoptadas políticas de desenvolvimento sustentado no plano doméstico, o que ilustra como o mercado não oferece solução para o desenvolvimento sustentado. O caminho prosseguido está à vista: os EUA declararam como seu interesse vital o acesso às fontes de energia mundiais. E estão a prosseguir essa política, agora sob a designação de “guerra ao terrorismo”, nomeadamente estabelecendo alianças com regimes corruptos, bases militares em regiões estratégicas para o domínio de províncias petrolíferas e de oleodutos e, bem assim, desencadeado ameaças militares e acções de guerra. Mais discreto é o apoio diplomático e o financiamento invisível das empresas petrolíferas — o que frequentemente é feito através do inesgotável financiamento para a Defesa Nacional, tal como é já tradicional em relação às empresas dos sectores aeronáutico, automóvel, nuclear, energético e químico-farmacêutico (consequentemente as mais lucrativas e portanto mais poderosas). É um ciclo vicioso, em que o poder económico influencia e domina o poder político e este apoia no plano internacional e financia os consórcios económicos com recursos públicos.
A RÚSSIA E O CÁSPIO
A Rússia e a bacia do Cáspio detêm cerca de 15% das reservas mundiais de petróleo convencional. Porém, significativos recursos e reservas adicionais de petróleo polar na região Árctica são expectáveis. A Rússia mais a bacia do Cáspio forneceram em 2001 cerca de 11% da produção mundial de petróleo convencional. Essa produção poderá aumentar ainda 50%, durante os próximos anos, podendo contribuir então com cerca de 15% da produção mundial.
Na Rússia, o sector económico mais dinâmico na última década tem sido o energético, o qual tem gerado acumulação de capital e suportado a constituição da oligarquia financeira emergente. Este sector tem tripla importância para os EUA: é a estrutura económica que na Rússia mais rapidamente se constitui como capitalista; por outro lado, pode servir os “interesses vitais” dos EUA na segurança do aprovisionamento energético; finalmente, pode servir o objectivo geo-estratégico de controlar o aprovisionamento energético de outros grandes países carentes de fontes de energia própria – designadamente a Índia e o Japão, a China e outros países do Extremo Oriente. Estas razões tem levado os EUA a estreitarem relações políticas com a Rússia. Por seu lado, a Rússia terá interesse em desenvolver ao máximo as suas infra-estruturas energéticas e manter relativo equilíbrio de relações comercias quer com a Europa, quer com o Extremo Oriente, quer com os EUA, nesse sentido tendo programado o prosseguimento do desenvolvimento das actuais províncias produtoras, novas pesquisas na zona Ártica e, ainda, o reforço e alargamento da rede de oleodutos para o ocidente, para a costa do Pacífico e para a RP China. A actual “aproximação” da Rússia aos EUA é uma aliança para desenvolvimentos tecnológicos e investimentos conjuntos no sector energético e para a cooperação e partilha do comércio internacional de matérias-primas energéticas; mas é também uma capitulação da soberania russa face ao império financeiro global. Em breve a Rússia entrará na OMC.
EUROPA OCIDENTAL
Quanto à Europa Ocidental, a província petrolífera do Mar do Norte já ultrapassou a sua produção máxima e entrou em declínio. Essa província veio à luz em 1969, a taxa de descoberta atingiu o seu máximo em 1974 e a taxa de produção o seu apogeu em 2000. Tendo incrementado as reservas estimadas iniciais em 50% e atingido a taxa de recuperação de 50%, mas não podendo já aumentar nem uma nem outra, o declínio é inexorável. O progresso tecnológico faz maravilhas, mas ainda não faz milagres. A Europa terá agora de importar uma crescente quota de petróleo num mercado mundial incerto.
Quanto ao gás natural do Mar do Norte, ele assegura agora 50% do gás natural consumido na União Europeia. Descoberto em 1965, atingiu o máximo de descoberta em 1979 a sua produção espera-se atinja o apogeu em 2005, para entrar depois em declínio também. A Europa depende já, e cada vez mais no futuro, do aprovisionamento de gás natural proveniente do Norte de África e da Rússia.
A Noruega dispõe ainda de recursos adicionais de hidrocarbonetos no Árctico, particularmente gás, que permitirá manter e mesmo acrescentar a sua capacidade produtiva, o que atenuará mas não substituirá a pressão para as importações de fora da Europa Ocidental.
Especialistas oriundos de vários países Europeus, EUA, Rússia e Irão, reunidos num encontro internacional realizado em fins de Maio de 2002 na Universidade de Uppsala na Suécia alertaram para a previsível ocorrência de sérios choques petrolíferos na próxima década (ver http://www.isv.uu.se/iwood2002/welcome.html). Prevê-se que a produção mundial de petróleo convencional iniciará então um declínio irreversível que terá enorme repercussão em todo o mundo.
À luz do conhecimento actual, na base dos actuais dados relativos a reservas e a recursos, descobertos e ainda previsivelmente por descobrir, a produção mundial deverá atingir o seu ponto máximo por volta de 2010. A rede de instituições e especialistas constituída nesse encontro internacional — ASPO (Association for the Study of Peak Oil) — afirmou o propósito de proceder anualmente à actualização do cenário da produção em conformidade com o apuramento dos resultados de exploração e produção verificados.
Este artigo foi originalmente publicado em 30/05/2002 no sítio resistir.info e também reproduzido em Informação Alternativa.
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